*Octavio Campos Salles

 

Um albatroz é a junção perfeita da natureza de elegância e resiliência. Grandes viajantes marítimos, planam praticamente sem esforço com suas enormes asas sobre os oceanos mais remotos do planeta, aproveitando a energia dos ventos, em especial nas latitudes mais meridionais, onde os ventos são mais fortes e constantes. As espécies maiores, que chegam a quase 3,5 metros de envergadura de uma ponta da asa a outra, podem viver 60 anos ou mais e passam quase que todas as suas vidas voando sobre os mares profundos, muito longe do litoral. Para um albatroz a terra firme é só uma inconveniente necessidade para a reprodução, onde eles procuram passar o menor tempo possível. Grandes aves em grandes oceanos, albatrozes evoluíram para planar infinitamente em um mundo fluído de vento e água.

 

Os albatrozes pertencem à ordem dos Procelariiformes, que possui outras espécies de aves oceânicas como os petréis e grazinas. São as chamadas aves pelágicas, ou seja, que vivem em ambientes de mar aberto. São aves verdadeiramente oceânicas que se alimentam principalmente de cefalópodes (como lulas), ovos de peixes, krill e peixinhos, seja de dia ou de noite. Algumas espécies, como o bobo-escuro (Puffinus griseus) podem mergulhar até 60 metros de profundidade para alcançar suas presas, embora não seja o caso dos albatrozes, que na maioria das vezes se alimentam apenas na superfície do mar. Como não visitam a terra firme quase nunca, e quando o fazem é apenas nas ilhas onde nidificam – isoladas no meio de oceanos – essas aves não têm acesso à água doce, o que as levou a uma adaptação onde conseguem ingerir água salgada, expelindo o excesso de sal por um órgão especializado, um tubo no alto dos seus bicos ou através das narinas mesmo, por onde sai a solução salgada.  Quando nascem, logo deixam seus ninhos para explorar os oceanos, e lá permanecem sem retornar ou talvez sem ao menos ver terra firme por vários anos. Um albatroz de 50 anos de idade pode ter voado, no mínimo, uma distância de 5,9 milhões de km – o suficiente para mais de 7 viagens de ida e volta para a Lua!

 

Algumas espécies de albatrozes nos visitam aqui no nosso litoral, em especial duas: o albatroz-de-nariz-amarelo (Thalassarche chlororhynchos)e o albatroz-de-sobrancelha (Thalassarche melanophris).O primeiro é o mais comum e pode ser visto com relativa facilidade nas águas de Ilhabela durante o Inverno, porém sempre longe da costa, em média a partir de 15 ou 20 milhas, pelo menos. Números maiores podem ser vistos há cerca de 70 milhas da costa, onde a plataforma continental cai abruptamente, criando correntes ascendentes que traz com ela alimento das profundezas, concentrando mais vida nesta região. Dessa forma, a maioria das espécies de Procelariiformes é desconhecida do público, devido à dificuldade de se chegar aos seus habitats.

 

O voo dos albatrozes é característico – e quase lendário – com as longas asas pontudas, subindo e descendo aproveitando o vento ascendente na crista das ondas. Se estiver ventando, o voo de um albatroz é algo lindo de se ver, sem esforço algum. Travam as longas asas pontudas como um canivete e assim seguem, subindo e descendo com as grandes ondas, viajando milhares de quilômetros dessa forma, sem gastar energia. De fato, estudos comprovam que um albatroz gasta mais energia sentado chocando um ovo no ninho do que atravessando oceanos.

 

Pra onde eles vão e o que fazem lá fora em um mar aparentemente vazio é de difícil compreensão para nós. Mas os albatrozes sabem exatamente o que estão fazendo. Seguem as correntes marítimas mais férteis e conseguem ler a superfície do mar em busca de alimento, e frequentam mais as áreas onde, por algum motivo, o alimento é mais abundante naquele momento. Sabemos hoje que os albatrozes possuem olfato extremamente apurado, podendo seguir um fraco odor de alimento por muitos quilômetros de distância, além de uma excelente visão também.

 

Mas toda essa habilidade em achar alimento em um oceano aparentemente infinito também lhes traz problemas, pois albatrozes frequentemente seguem barcos de pesca de espinhel e acabam sendo fisgados acidentalmente quando as iscas são lançadas no mar. Milhares morrem todos os anos afogados dessa forma. Existem algumas medidas mitigadoras que podem ser implementadas, a fim de evitar que os albatrozes consigam chegar às iscas antes que elas afundem pra longe de seus alcances, mas infelizmente essas medidas ainda não são adotadas pela maioria dos barcos pesqueiros na costa brasileira.

 

Outras ameaças que essas aves sofrem incluem a predação dos filhotes por ratos introduzidos em ilhas remotas onde nidificam, pois albatrozes evoluíram milhares de anos se reproduzindo no chão, em ilhas livres de predadores terrestres, e, portanto, não sabem se defender quando predadores, mesmo que tão pequenos como ratos, subitamente aparecem. O aquecimento global, a sobrepesca de espécies que eles se alimentam e a ingestão de plástico flutuando nos mares também são grandes desafios para os albatrozes. Todas essas ameaças juntas fazem com que 19 das 21 espécies de albatrozes do mundo estejam em graus variados de perigo de extinção, sendo que em absolutamente todas as espécies o número populacional vem caindo.

 

Podemos ajudar consumindo conscientemente, evitando consumir espécies marítimas que sofrem com a sobrepesca; evitando o consumo desnecessário de produtos plásticos e se certificando da correta destinação desses após o uso e, por fim, exigindo das autoridades que as leis de proteção ambiental sejam cumpridas. O que fazemos em terra firme pode influenciar seres fantásticos em mar aberto, centenas ou milhares de quilômetros da costa.

 

*Octavio Campos Salles é fotógrafo de vida selvagem e natureza e guia de observação de aves.