Para contar um pouco sobre a realidade dos animais silvestres que vivem em Ilhabela, Silvana Davino entrevistou o Dr. Denis Prado Amorosino, médico veterinário que atua a quase vinte anos na região e que presta atendimento voluntário a diversas espécies endêmicas da Ilha. Quando o seu trabalho com os animais silvestres de Ilhabela teve início? Dr. Denis: Quando fixei residência em Ilhabela em 1995, já tinha como objetivo desenvolver um trabalho com animais silvestres endêmicos da região, pois durante quatro anos trabalhei em uma ONG de Educação Ambiental e senti despertar um maior interesse na clínica de animais silvestres, mas as dificuldades com relação a logística, apoio governamental e respaldo legal, até hoje em déficit em relação a atuação do Médico Veterinário autônomo nesta área, me distanciaram desta meta profissional. Mesmo assim com o incentivo de uma grande amiga, na época diretora do Parque Estadual de Ilhabela, Wanda Maldonado, iniciamos um modesto trabalho com os silvestres tentando realizar a clínica e reabilitação, objetivando sempre que possível a soltura. Neste sentido sempre contei com a ajuda e colaboração de alguns funcionários do PEIb, entre eles o Marcos Aurélio, Joãozinho, Vinny entre outros. Sabendo que 85% do território de Ilhabela está dentro de uma Unidade de Conservação de reserva de Mata Atlântica. Você acredita que nossa fauna está preservada? Quais são as maiores ameaças à preservação dos animais silvestres no município de Ilhabela? Dr. Denis: Bem, não precisamos de muitos dados para evidenciar que nossa fauna está a muito, sofrendo sérios riscos. A caça, a limitada fiscalização, tanto devido à extensa área como pelo pequeno número de agentes fiscalizadores, e o tráfico de animais que movimenta muito dinheiro são algumas das situações que mais ameaçam nossa fauna, e este fatores não são exclusividade de Ilhabela, todo território nacional passa pelas mesmas dificuldades. Associado a estes aspectos, temos também, e não menos importante, a falha na disseminação de informação à população, privando os cidadãos de elementos que auxiliariam a julgar e atuar na preservação da fauna. Quanto ao comércio ilegal de animais silvestres, você acha que as políticas públicas nas esferas federais, estaduais e municipais estão atuantes? Precisam melhorar? Como? Dr. Denis: Infelizmente como já disse, não temos uma política efetivamente atuante no combate ao tráfico de animais, acredito que para iniciarmos um processo de redução no comércio ilegal de animais temos que incrementar e gerar mais informação e transmitir esses conceitos diretamente à população, pois estando informado e consciente de que não podem participar, nem estar coniventes com esta situação de ilegalidade poderemos inibir o comércio e facilitar a atuação dos agentes de fiscalização. Também não podemos esquecer que as ações ilegais com os animais silvestres são altamente organizadas e lucrativas, portanto muito difíceis de serem combatidas tal qual o tráfico de drogas ou armas, e dependem de ações governamentais em todas as esferas de organização da sociedade civil. Que tipos de campanhas de educação ambiental podem ajudar na conscientização da preservação da biodiversidade no nosso arquipélago? Dr. Denis: O melhor caminho a ser trilhado para efetivar esses objetivos é iniciar os trabalhos de educação junto aos elementos da sociedade que possuem melhor receptividade a novas informações que são as nossas crianças. Assim se iniciarmos campanhas de educação junto às escolas e centros recreativos infantis, teremos com certeza maior efetividade, pois as crianças não tem medo de questionar e lutar por aquilo em que acreditam, além de atuarem como disseminadores desses conceitos junto a seus familiares e à comunidade na qual estão inseridos. Não podemos acreditar que as mudanças acontecerão em curto prazo, portanto temos que atuar no processo mais efetivo, que é a formação do cidadão. Durante estes anos de trabalho aqui na Ilha, você recebe animais silvestres resgatados da natureza para atendimento? Você cobra pelo atendimento? Dr. Denis: Sim, desde que me instalei na cidade, antes mesmo de montar minha clínica, já realizava atendimento a animais silvestres tanto os resgatados por decorrência de doenças ou acidentes no ambiente natural, como aqueles recolhidos do cativeiro ilegal. Não cobro pelo atendimento de animais silvestres, somente pagam pelo atendimento animais de criadores particulares oficializados e legalizados. Quais são os procedimentos e possíveis tratamentos? Depois de recuperados o que você faz com eles? Dr. Denis: Todos os animais silvestres passam por intensa condição de estresse no contato com o humano, assim sempre faço uma avaliação clínica inicial procurando produzir o menor desconforto possível e buscando encontrar lesões externas que possam inviabilizar a soltura imediata. Diante desta avaliação tomamos os seguintes caminhos: soltura imediata para os animais que apresentam condição de sobrevivência na natureza, ou início de tratamento medicamentoso ou cirúrgico, até a estabilização do animal e prepará-lo para a soltura se esta for cabível. Caso o animal fique impossibilitado de ser encaminhado à soltura, após sua recuperação clínica é encaminhado à Polícia Ambiental, para destinação aos Cetas ou outras entidades, a critério do tipo de animal e suas necessidades. Você tem algum caso com animais silvestres que tenha marcado sua vida positiva ou negativamente? Dr. Denis: O tratamento e convívio com animais silvestres é uma experiência muito intensa que mistura sentimentos conflitantes de paixão e amor. Quando falo em paixão tento exemplificar o sentimento daqueles que de alguma forma querem manter o animal junto a si, não só pelo sentimento da posse, mas principalmente pelo encantamento que estes animais despertam no humano. Quanto ao amor, este é um sentimento isento de qualquer interesse ou necessidade de posse e nos produz uma sensação de sublimação, onde a vida tem maior importância e o homem realmente passa a ser integrante na natureza. Acho que ficou meio confuso, mas é neste conflito que trabalhamos, e as marcas sempre são positivas, o sentimento de ter exercido uma ação que beneficia a todos, nos torna melhor a cada dia. É difícil elencar alguma situação mais marcante, mas as perdas de vidas produzem uma sensação de impotência, mas mesmo assim tiramos experiências positivas, que nos ajudam em novas experiências. Profissionalmente, você tem planos para dedicar-se mais em estudos e pesquisas relacionados aos animais silvestres? Dr. Denis: Sempre tive interesse em atuar mais intensamente com animais silvestres e acredito que com o crescente aumento de entidades que exercem atividade com animais silvestres, talvez ainda tenha a oportunidade de efetivamente atuar e se possível transmitir minhas experiências a colegas e cidadãos que se aventurem neste mágico mundo da vida silvestre. Coloco-me à disposição para discutir e auxiliar quem tiver interesse ou alguma questão específica ao tema pelo e-mail denis.clinvet@yahoo.com.br Dr.Denis Prado Amorosino é Médico Veterinário, formado pela USP. Silvana Davino é membro do GT Animais Silvestres de Ilhabela.