A Bahia nos cativou em pouco tempo com suas belezas. De Salvador, voltamos um pouco atrás e fomos conhecer a região da ilha de Tinharé e Boipeba, onde fica Morro de São Paulo. Chegando em Morro, uma baleia subiu bem atrás do barco, nos surpreendendo e dando um susto. Entramos pelo canal que separa as ilhas do continente e fomos seguindo passando por pequenas vilas típicas da Bahia: Gamboa, Galeão, a bela praia do Curral, Cairu, até chegar em Canavieirinhas. Lá, num lugar magnífico e preservado, passamos ótimos dias descansando e passeando, com Genival (o guia local) e sua esposa, Dna. Carminha, cozinheira de mão cheia, que me lembrou demais a Dna. Cida, amiga de Ilhabela que me ajudou a cuidar das crianças após a Mônica haver falecido. Conhecemos a maravilhosa Boipeba, de lindas praias e piscinas naturais. Provavelmente será o próximo grande paraíso a ser descoberto pelo turismo. Na volta para Salvador, ficamos alguns dias em Morro de São Paulo, muito turístico, mas muito belo. No caminho para Salvador, mais baleias! Elas nos presenteiam com suas aparições sempre quando menos esperamos.

Em Salvador, passamos dias ótimos entre amigos que fizemos no local, entre eles a família Hagge e a Patrícia e a Pilar, que não mediram esforços para nos agradar e acolher. Fomos até a baia de Aratu, no fundo da Baia de Todos os Santos, e de lá partimos para correr a grande e festiva regata Aratu-Maragogipe. Linda festa, com uma centena e meia de barcos subindo o magnífico e preservado rio Paraguaçu, cheio de recantos para se ancorar e esquecer da vida. Dos barcos que corriam, vários eram da região sudeste e haviam subido com o Cruzeiro Costa-Leste. Entre eles, alguns da nossa Ilha: escuna Horizonte do Antonio e o Kaka-Maumau do Fernando. Encontramos em Aratu, ainda, os amigos Edmar e Zezinho, velejadores conhecidos por todos. Foi uma alegria encontrá-los e conversamos bastante, colocando-nos a par das novidades de nossa querida e saudosa Ilhabela. No retorno da regata, descendo o rio Paraguaçu, tivemos uma aula de história do Brasil. Vimos, numa curva do rio, o forte que, sozinho, segurou uma grande esquadra portuguesa que pretendia acabar com os revoltosos que queriam a independência. Vimos também os pequenos saveiros navegando, iguais aos que João das Botas comandou para atacar as pesadas naus e que, ainda hoje, velejam no rio melhor e mais rápido do que os modernos veleiros de competição.

Após muitos dias de Bahia, foi a hora de nos despedir com um “até breve” e entender na carne os versos de Dorival Caymmi: “Ai, mas que saudade eu tenho da Bahia”. Fizemos, então, nossa mais longa travessia: 45 horas, numa velejada maravilhosa que nos levou até Maceió. Lá permanecemos apenas dois dias, onde passeamos pela cidade com uma grande amiga nossa e reencontramos o João Sombra, velejador que viajou os últimos dez anos pelo mundo. Ainda pretendemos retornar a Maceió para conhecer um pouco mais de suas belezas. A próxima parada, numa travessia de 30 horas, com vento contra, mas não muito forte, nos levou ao Recife. Novamente nos lembramos de Dorival Caymmi, com as crianças cantando a “Dora” do “Recife dos rios, cercados de pontes”. Para nós, Jorge Amado e Dorival Caymmi assumiram outra dimensão, após nossa passagem pelos lugares que eles retratam em suas obras.

O Cabanga Iate Clube e o Recife, com seu povo simpático e hospitaleiro, nos receberam de braços abertos também. Fizemos amigos, revimos conhecidos e recebemos visitas. Ficamos no clube vários dias, que se passaram num crescendo que culminou com a grande festa para a qual todos fomos: a regata Recife-Fernando de Noronha, a popular Refeno. Para ela, dois tripulantes foram incluídos no Fandango: o Edu, amigo de Ilhabela e o Márcio, grande amigo nosso de vários anos. Partimos para o que a Carol classificou como o “paraíso na terra” em ritmo de regata, mas, na largada, tivemos um pequeno contratempo: a vela mestra descosturou próximo ao tope. Após duas horas costurando a vela, retornamos à regata com tudo e velejamos maravilhosamente bem, com vento alternando entre forte e fraco, mas sempre favorável. Vimos, no caminho, grandes manchas luminosas na água a medida que passávamos e que, além de lhes admirar a beleza, deixou-nos curiosos sobre sua origem. Fizemos a regata em 49 horas e tivemos o prazer de ver Noronha aparecer e crescer à nossa frente numa linda manhã de sol e vento forte do dia 25 de setembro, com vários pássaros marinhos anunciando sua aproximação, como os antigos navegantes a viram. Ficamos quatro dias ali e, o que posso dizer sobre Noronha é que qualquer palavra, imagem ou reportagem que se refira à ela, ou o conjunto de tudo isso que foi feito até hoje, ainda é pouco para descrever-lhe a beleza. Só quem esteve lá e viu suas paisagens, sentiu seu calor, andou pelas praias e suas estradas de terra e mergulhou em suas águas transparentes, pode entender o que eu disse. Lá, tivemos também, a companhia dos que se tornaram grandes amigos: as tripulações do Beduína e do Cavalo Marinho. Passamos vários dias juntos e a despedida foi difícil, mesmo sabendo que iríamos nos ver em breve. Carol e Talita choraram na despedida, deixando um nó na garganta de todos. Para nós, Noronha foi a realização de ter ido o mais longe nesta nossa viagem: atingimos a menor latitude (3 graus e 50 minutos sul) e a menor longitude (32 graus e 26 minutos oeste) que pretendíamos, estando praticamente a 1.200 milhas náuticas de casa. Só essa realização não seria nada, se não fosse esse também um dos lugares que eu mais queria mostrar a meus filhos. Emocionei-me muito contando-lhes, nós boiando nas quentes águas da praia do Sancho, a vontade que eu tive quatro anos atrás de tê-los comigo ali naquele lugar. Nisso, o tempo novamente mudou de dimensão e me pareceu que tempo nenhum havia decorrido entre aquele longínquo setembro do ano de 2002 e aquele momento em que estávamos os três juntos abraçados naquele lugar. Você que já sonhou algo com muita vontade e realizou seu sonho sabe o que eu senti.

Hoje estamos em Natal. Fizemos, com o amigo Márcio, uma maravilhosa travessia em 31 horas, navegando duzentas milhas como se fossem apenas vinte, com vento de 15 a 20 nós constante em direção o tempo todo. Estamos no Iate Clube de Natal, no lindo rio Potengi, onde o pôr-de-sol é sempre belo. É o estado mais distante que planejamos ir e daqui será iniciada nossa volta. Os amigos do Beduína e Cavalo Marinho queriam nos levar juntos para o Caribe, mas ainda não é nossa hora. Apesar de se iniciar o regresso, muitos lugares ainda ficaram por se visitar no caminho. Muitos lugares e muitas belezas ainda esperamos ver e o mar sempre nos reserva surpresas. Viemos longe, muito longe. Cumprimos nossas metas até aqui, com exceção do Atol das Rocas, por motivos técnicos referentes à classificação do barco (depois soube que, mesmo se tivesse ido para lá, não poderia ter parado por más condições de mar). Vimos e vivemos um dos lugares mais belos do Brasil e, talvez, estes dias tenham sido o apogeu desta nossa viagem. Mas também pode ser que não! Esta é a maior beleza da vida: existe sempre o que está por vir.