O cenário é uma praia paradisíaca, que já foi eleita uma das mais bonitas do mundo, onde só é possível chegar a pé, em uma caminhada que dura quatro horas por uma trilha que corta a Mata Atlântica e atravessa três cachoeiras, ou de barco, se as condições de vento e maré permitirem. Não há energia elétrica, a água é captada de cachoeiras, não há carros nem motos, supermercados ou farmácias. O celular não funciona, porque não há sinal. Não tem trânsito, barulho, poluição… O transporte é feito em canoas de madeira, construídas artesanalmente e utilizadas para a pesca, já que o peixe é a base da alimentação das famílias, que também plantam mandioca para fazer farinha e têm hortas em seus quintais. Ninguém usa relógio. O tempo passa devagar. As crianças brincam, livres. As pessoas apreciam a simplicidade, respeitam a natureza, admiram os animais e defendem o seu território, não por ganância, mas pela sensação de pertencimento, pela ligação ancestral que mantêm com o local onde vivem e pelo desejo de continuar onde estão. Parece a introdução de um livro de romance ou o enredo de uma novela, não é? Pois é exatamente assim que vivem as dezenas de famílias que formam a Comunidade Tradicional do Bonete, uma das últimas do nosso litoral, que em pleno século XXI e a apenas duzentos quilômetros da capital paulista, mantêm o estilo de vida de seus ancestrais e preservam valores e características que a maior parte da nossa sociedade deixou para trás. E é exatamente assim que eles querem continuar! O perigo do progresso É claro que o avanço experimentado pela maior parte da nossa sociedade já chegou, de alguma forma, a essa comunidade. É claro que os que ali vivem já foram impactados, positiva ou negativamente, pela influência turística, pela especulação imobiliária e pelos hábitos de consumo modernos. Já há casas de veranistas, que vão apenas para passar as férias ou o final de semana, há geladeiras, aparelhos de TV e outros eletrodomésticos ligados à rede mantida por um gerador central ou abastecidos por geradores individuais movidos a diesel. Afinal, os moradores da comunidade também querem garantir conforto às suas famílias. Mas o importante é que, mesmo com estes impactos, uma boa parte destas pessoas ainda conserva as características citadas no início deste texto e, embora queira sim algumas das comodidades que fazem parte da vida da maioria das pessoas, como energia elétrica, atendimento médico e escola para as crianças, também quer o direito de manter seu modo de vida, preservar sua tradição e proteger sua terra. E para garantir este direito, a calma e pacata comunidade é capaz de se organizar rapidamente e sair em defesa de seu pequeno paraíso, como já aconteceu em diversas ocasiões, sendo que a mais recente ganhou inclusive destaque na mídia paulista, quando boneteiros em suas canoas organizaram uma manifestação no mar, durante a regata de abertura da Rolex Ilhabela Sailing Week, a tradicional Semana de Vela de Ilhabela. O motivo foi a proposta de Zoneamento Econômico Ecológico apresentada pela prefeitura, que integrará o Plano de Gerenciamento Costeiro do Litoral Norte e que previa a transformação de Praias como o Bonete e Castelhanos em Zonas Urbanas, fato que ameaçaria a preservação desses locais e poderia dar subsídio a males irreversíveis, como a especulação imobiliária e a ocupação desordenada. A movimentação dos boneteiros, somada à indignação de milhares de pessoas, desde moradores de Ilhabela até turistas, visitantes e pessoas interessadas na preservação da região, culminaram na convocação de uma audiência pública pelo Governo do Estado, onde o prefeito de Ilhabela suspendeu a proposta atual e garantiu que um novo mapa será construído com a participação da sociedade civil. Tal resistência também já se manifestou e surtiu efeitos em questões como a abertura da estrada para a passagem de veículos e outras intervenções na trilha e a discussão sobre formas alternativas, que não considerem a abertura da estrada, para levar energia elétrica à comunidade. Também são frutos desta organização iniciativas como o Instituto Bonete e a Associação Bonete Sempre, que reúne moradores, veranistas, frequentadores e apaixonados pelo Bonete, promove debates sobre temas importantes para a comunidade e incentiva práticas sustentáveis como o Turismo de Base Comunitária. Os boneteiros temem, e muito, os perigos do progresso. Querem energia em suas casas, os filhos na escola e acesso aos serviços de saúde. Querem receber o turismo de baixo impacto, sustentável e consciente, para que possam mostrar ao mundo suas riquezas e incrementar a renda da família. Querem, como todos nós, uma vida melhor, mas não a qualquer preço! A Praia Para entender os motivos da comunidade para defender a região, basta conhecer o Bonete! Diferente das outras praias da Ilha, o Bonete tem uma faixa de areia larga e bastante extensa, que termina no ponto onde o Rio Nema se encontra com o mar. Cristalino, cercado por areia e muitas pedras, o rio serve de abrigo para as canoas, já que o mar bravo impede que embarcações pernoitem por ali com segurança. Ao longo de toda a praia, árvores chamadas Chapéus de Sol oferecem sombra, para uma pausa entre um mergulho no rio e outro no mar. No início da manhã e no final da tarde há “trânsito” de canoas, que vão e voltam de suas atividades rotineiras. Enquanto algumas trabalham na pesca, outras transportam os turistas que optaram por não encarar a caminhada de quatros horas pela trilha, que sai da Sepituba, no extremo sul de Ilhabela, e termina nas areias da praia do Bonete. Embora a trilha seja uma parte importante do passeio, já que a imersão na mata, o silêncio e a caminhada preparam o visitante para o que vem a seguir, a viagem de canoa também é uma opção divertida para quem quer experimentar um pouco da cultura caiçara. São cerca de uma hora e trinta minutos de navegação, apreciando, na maior parte do caminho, a beleza de diferentes tipos de formações rochosas. Para aproveitar as duas opções, o ideal é ir caminhando e volta de canoa (ou vice-versa). Muito cristalinas, as águas da Praia do Bonete são ideais para a prática de mergulho livre, pois além de boa visibilidade, há uma grande variedade de espécies marinhas nas pedras e encostas que cercam a região. O lugar também é frequentado por surfistas, e é uma das únicas praias da Ilha que oferece boas condições para a prática do esporte. Turismo de Base Comunitária Proposta criada para compatibilizar a atividade turística e a preservação de aspectos culturais, históricos e ambientais, o Turismo de Base Comunitária se encaixa perfeitamente à realidade do Bonete, já que a cultura caiçara é, sem dúvidas, um dos pontos fortes do destino. Desde que este potencial foi percebido, diversas ações já foram realizadas com a comunidade para fomentar e incentivar a prática, como o ecoprojeto do CEDS – Centro de Experimentação em Desenvolvimento Sustentável, que promoveu oficinas com a comunidade para capacitar os moradores e reconhecer a área e seus atrativos. Finalizada esta etapa, foi elaborado um roteiro completo que envolve transporte, estadia, alimentação, atrações, sinalização e comercialização de produtos, entre outros. Em agosto deste ano, o Fórum Pensando Ilhabela que Vivemos levou até o Bonete as palestras “Histórico, Perspectivas e Importância do Turismo de Base Comunitária no Brasil”, ministrada por Teresa Mendonça – Doutora em Ciências Sociais, mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social, que coordenou o projeto “O povo do Aventureiro: fortalecimento do turismo de base comunitária” na Ilha Grande (RJ), financiado pelo Ministério do Turismo, e “A experiência da Prainha Canto Verde” ministrada por René Scharer, morador da Prainha do Canto Verde e fundador da Ong Instituto Terramar, com sede em Fortaleza que apoia as comunidades do litoral do Ceará na área de pesca artesanal e turismo comunitário. Embora a atividade ainda tenha potencial para se desenvolver mais, a comunidade já tem roteiros voltados a este segmento, com moradores locais que levam os visitantes para passear pelas ruas, conversar com caiçaras antigos que narram histórias e contam causos sobre a praia, conhecer atrativos como a Igreja de Santa Verônica, construída há mais de cem anos, o gerador responsável pela escassa energia divida entre as casas, os ranchos de canoas, a casa de farinha, enfim, conhecer quem são e como vivem os boneteiros. Bonete Experience Para quem quer conhecer o Bonete em um passeio de um dia, uma boa opção é o Bonete Experience, um roteiro exclusivo criado por uma família que viveu por muitos anos no Bonete, tem grande experiência em navegação e turismo e conhece bem a região, a cultura local e as condições de ventos e marés do trajeto. A aventura começa com o embarque no Azul Marinho, um barco rápido, seguro e confortável, com capacidade para 28 passageiros, que faz o percurso entre a Praia do Perequê e o Bonete em cerca de 40 minutos. Durante do passeio, que passa por todas as praias do sul da Ilha e segue em direção ao mar aberto, a tripulação conta histórias e dá informações sobre aspectos geográficos, históricos e culturais da região. Ao chegar à praia, os visitantes são incentivados a conhecer a comunidade, experimentar a culinária local e descobrir um pouco da rica e ainda preservada cultura caiçara. Também é possível contratar com os guias locais passeios para cachoeiras, trilhas e mirantes, aulas de surf e até roteiros de observação de aves. Até o dia 15 de dezembro, o Bonete Experience tem saídas todos os finais de semana, sempre que houver boas condições de tempo. Para os dias de semana, é preciso consultar com antecedência. Durante a temporada, a partir de 16 de dezembro, as saídas são diárias. Informações e reservas: www.bonetexperience.com | Tel. (12) 99706-4646 | (12) 3896-6363