Após nos deliciarmos com Arraial do Cabo e Cabo Frio, fomos para Búzios. O lugar é lindo, me lembrou muito Ilhabela e é uma cidade muito voltada ao turismo. De lá, nos preparamos para nossa travessia mais arriscada: dobrar o Cabo de São Tomé. Convidei uma pessoa para fazer conosco esse trecho, mas tudo concorreu para irmos sozinhos: uma pequena janela de tempo, o desconforto e perigos da ancoragem de Búzios com uma ressaca que acontecia do lado de fora e acabamos saindo apenas nós três.

O mar estava ótimo, o vento favorável e após trinta horas navegando chegávamos a Guarapari, sem sustos e com muito conforto e tudo favorável na viagem. Ao chegarmos lá, os ancoradouros onde eu esperava ficar não estavam bons por causa da ressaca que também havia se abatido sobre a cidade. Resolvemos ir para o centro e, quando nos aproximávamos, nos chamaram no rádio. Era a Capitania dos Portos, que estava aguardando nossa chegada, preocupados conosco. Nos orientaram na entrada, arrumaram para nós uma vaga num píer vazio ao lado da cidade e descemos logo para conhecê-la.

Primeira parada: um delicioso restaurante de comida mineira, que é muito forte aqui. Passeamos pela cidade, conhecemos o Mauro e a Cristina, amigos novos, mas com os quais criamos vínculos bem fortes. Adoramos Guarapari e após três dias no local, seguimos para Vitória. Lá, novamente fomos recebidos pela Capitania, numa deliciosa e importante rotina que se repetiu em todas cidades em que chegamos de Guarapari para frente. Foi uma tranqüilidade para nós recebermos essa atenção da Marinha: avisávamos sempre que saíamos e a Capitania responsável nos aguardava em nosso destino.

Passeamos muito na linda cidade de Vitória. Lá recebemos o apoio do Iate Clube do Espírito Santo, que não nos cobrou as estadias e no qual ficamos confortavelmente instalados com todas as mordomias: piscinas, sauna, píer, água, luz, segurança, etc. Vimos os primeiros jogos do Brasil na copa, conhecemos a cidade, suas atrações e a sua “fantástica fábrica de chocolates”.

Nosso próximo trecho seria nossa maior navegação até o momento e um dos pontos altos da viagem. Saímos de Vitória faltando 15 minutos para uma sexta-feira iniciar e chegamos em Abrolhos ao meio-dia de sábado. Após trinta e seis horas de navegação maravilhosa, com vento forte e ondas altas, mas favoráveis, estávamos num dos paraísos da costa brasileira e do mundo: Abrolhos.

No caminho tivemos duas grandes emoções: uma formação de nuvens que compunham nitidamente uma moldura quadrada com duas pessoas dentro, como se nos olhassem (ou olhassem por nós) de uma janela do céu; a outra foi o primeiro encontro com uma baleia. Na madrugada, logo após o sábado raiar, mas antes do sol mostrar seu brilho, chamei o Jonas para seu turno. Dez minutos depois escutava o grito: BALEIA!!! Saí rapidamente, a tempo de ver um grande dorso escuro, no mar com ondas de dois a três metros, bem ao lado do barco, a menos de cinco metros! A emoção foi grande e o susto também.

As crianças só viram a água explodindo, mas quatro horas depois víamos mais duas baleias ao longe, já quase em Abrolhos. Lá chegando, após a excelente recepção do comandante da base da Marinha, sargento Iran, responsável pela base na Ilha de Santa Bárbara e manutenção do importantíssimo e maravilhoso farol, soubemos que chegamos exatamente no dia do primeiro avistamento de baleias no arquipélago! Lá ficamos seis dias, três planejados e outros três “presos” pelo mau tempo. Fiz os melhores mergulhos de minha vida (eu mergulho há vinte anos!) onde passamos a mão nos cascos de mansas tartarugas, visitamos a ilha Siriba cheia de ninhos de atobás brancos e grazinas, onde quase as tocávamos, visitamos a ilha de Santa Bárbara com seu maravilhoso farol, sua paisagem deslumbrante e o calor humano das pessoas que lá trabalham.

Nosso obrigado especial ao amigo Flávio, que nos guiou e mostrou todos os segredos da ilha de Santa Bárbara e sua natureza. Fizemos amizades maravilhosas com os moradores da ilha e com pescadores que trabalham naquelas águas. Um dia antes de sairmos, uma baleia se aproximou da poita onde estávamos. Soltamos da poita e nos dirigimos para sua direção. Ela havia sumido. De repente, a cerca de dez metros na frente do barco ela se ergueu e ficou parada flutuando. Guinei o barco para ficar paralelamente a ela e desengatei o motor. Ficamos todos boquiabertos admirando aquele imenso e maravilhoso ser, tão perto de nós que podíamos sentir sua respiração. Uma das coisas que eu mais queria mostrar aos meus filhos estava ali, na nossa frente, mais perto do que eu sonhara, naquelas ilhas remotas onde a natureza se mostra mais exuberante. Ficamos um bom tempo parados, olhando-nos, nós e a baleia, até que ela resolveu passear mais um pouco. Foi mágico!

Após esses seis dias, que valeriam sozinhos a viagem inteira, nos dirigimos até Cumuruxatiba. Lindo lugar, ótimas pessoas e a inconfundível tranqüilidade baiana, onde a vida passa sem preocupações. Cigano e sua família nos receberam e nos fizeram sentir em casa.

De lá, seguimos para Porto Seguro. O que seria uma parada curta, se transformou em oito dias de prazeres, conhecendo Arraial d’Ajuda, Trancoso, Cabrália e imediações. A hospitalidade baiana já se fazia sentir, com o novo amigo Tati Parracho nos levando para conhecer cada cantinho da região. A marina onde ficamos, a Quinta do Porto, é maravilhosa e se tornou um excelente lugar de parada num porto que sempre foi problema para velejadores. Começamos a sentir que nossa viagem deveria ser mudada. Conversamos um pouco e resolvemos deixar a costa norte do Brasil para outra oportunidade. Em vez de conhecê-la em um mês deixando o barco em Natal, pretendemos voltar para ficar mais tempo na costa da Bahia.

Acham que acabou? Não! Fomos para Ilhéus, e vivemos cacau e Jorge Amado. Nesse ponto, a bronca de Jonas, que já acabou de ler todo o livro de história: “- Como não tem o ciclo do cacau no meu livro de história?”.

De Ilhéus seguimos para o paraíso de Camamu. Terceira maior baia do país, segundo maior manguezal do Brasil, a paz e a natureza imperam nesse local. Andamos quilômetros sem ver nenhuma pessoa na praia de Barra Grande, catando conchas e fotografando lindas paisagens. Conhecemos Campinho, Sapinho, a cidade de Camamu e a Ilha de Goió. Lugar paradisíaco e protegido, onde golfinhos passavam ao lado da poita onde estávamos e o alimento das pessoas do lugar era colhido diariamente no mar que os cercava. Poucos dias ficamos ali e pretendemos parar novamente na volta, para conhecer mais lugares de Camamu.

Seguimos então para a bela Salvador. Novamente, como nas outras travessias que fizemos na Bahia, vimos baleias. Chegando em Salvador, a terra dos contrastes, andamos pelo Pelourinho, vimos a magnífica igreja de São Francisco, uma obra de arte deslumbrante e a casa de Cultura Jorge Amado.

Na Bahia estamos respirando seu ar, conhecendo seu povo e cultura, comendo sua comida soberba e nos bronzeando ao seu sol. Vimos suas baleias, baleias bahianas, nascidas em suas águas e para onde sempre voltam, como nós também esperamos fazer. Queremos conhecer até o mais escondido vilarejo à beira-mar, onde seus moradores simples nos recebem em suas casas como se nos conhecessem há anos. Estamos vivendo intensamente algo que sempre sonhamos. Foi-se o tempo de plantar: é hora de plena colheita!