Aqui estamos nós novamente, amigos e leitores! Novamente velejando e novamente contando nossas pequenas aventuras para vocês. Quem acompanhou nossa primeira viagem pela Revista Ilhabela, devia imaginar que não ficaríamos muito tempo em terra. Quem não acompanhou, acesse o site www.revistailhabela.com.br, veja nossas matérias antigas e descubra porquê voltamos a navegar.

Quando retornamos de nossa primeira viagem, colocamos a casa em ordem e aproveitamos muito nossa maravilhosa Ilhabela e nossos amigos. Mas, depois de algum tempo, sentíamos falta de algo.

 

O poema de Álvaro Campos, no livro Passagem das Horas, exprime nossos sentimentos:

“Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero…”

 

Voltar a navegar, conhecendo novos lugares, pessoas e culturas, era nossa vontade. Para isso, compramos um veleiro maior, nosso Travessura, um Fast 410 com muito conforto e uma personalidade particularmente travessa, como a nossa. Não sei o que o antigo dono, que o batizou, desejava com o nome, mas sei o que representa para mim: é um trocadilho do vento de través, o melhor para velejarmos, com a vontade de todo adulto crescido fazer algumas “travessuras” de criança. Sinto que a minha travessura, em particular, é subverter alguns paradigmas da vida moderna. Não mais trabalhar, trabalhar, trabalhar; acumular, acumular, acumular; para pagar hospitais num futuro incerto. A vida me mostrou que, criadas as condições, ela deve ser vivida e aproveitada no presente.

Dessa forma, montamos um novo roteiro de viagem e zarpamos de Ilhabela no dia 3 de julho de 2010. Vários barcos e muitos amigos nos acompanharam na saída, inclusive nosso querido Fandango, que hoje é propriedade do grande amigo Hill e de sua escola Veleiros Eventos, mas que estará sempre dentro de nossos corações.

E lá fomos nós, para mais uma viagem a vela!

Dizem que “velejar é a forma mais cara e demorada de viajar em terceira classe”. Isso tem seu fundo de verdade! Afinal, se pegássemos um avião em São Paulo para ir até Salvador, o custo seria bem menor que o que tivemos até agora, neste mês e pouco de início de viagem. Além disso, não teríamos que ser cozinheiros, mecânicos, lavadores de roupa, navegadores, faxineiros, técnicos em eletrônica, timoneiros, eletricistas, ajustadores de vela, meteorologistas, carregadores de diesel e água e tudo o mais o que precisamos ser, morando num veleiro. O conforto também seria outro: pegaríamos o avião, desceríamos em Salvador em poucas horas e iríamos para um hotel, onde todos os confortos, principalmente o de água abundante, estariam à nossa disposição. Talvez, a única semelhança seria a turbulência que poderia acontecer num voo e que é uma constante em nossas travessias e várias ancoragens.

Mas, porquê viajar navegando, então?

Será que navegar pela baia de Ilha Grande, em suas enseadas paradisíacas, vale a pena o “desconforto”? Conhecer e banhar-se na praia de Lopes Mendes, considerada uma das mais belas do Brasil, vale algumas lavadas de louça? E parar em Niterói, visitar seu lindo Museu de Arte Contemporânea, re-encontrar os amigos do Boteco 1, fazer novos e bons amigos, aproveitar a hospitalidade do Rio Yacht Club, berço histórico da vela brasileira e das famílias Schmidt e Grael, vale ter que desmontar, desoxidar e remontar um aparelho eletrônico complicado, nosso piloto automático, sem nunca ter mexido com isso?

Parar em Búzios, andar por suas charmosas ruas e ver suas paisagens exuberantes, que cativaram Brigite Bardot na década de 60, valem a travessia complicada para chegar lá?

Degrau por degrau, nossa costa tem que ser subida com cuidados e nas previsões de tempo corretas.

Atravessamos o cabo de São Tomé numa travessia sossegada, mas cansativa, e chegamos em Vitória, onde encontramos muitos amigos e um ambiente festivo. Não faltou a carinhosa recepção do Iate Clube do Espírito Santo e a visita à lojinha da Garoto, sempre deliciosa, de onde trouxemos mais de 4 quilos de chocolate para a despensa do barco. Após outra travessia longa, Abrolhos e suas baleias estavam, como sempre maravilhosos! Sua água turquesa e transparente nos convidava a mergulhar. Chegávamos à Bahia, terra do verão eterno, simpatia e calor humano. Ah, e suas comidas! Chegamos a Ilhéus e corremos para comer seu aratu catado, escondidinho de carne de sol, moquecas e acarajés. Não tudo de uma vez! Tudo saboreado vagarosamente, nas refeições que fizemos nos poucos dias que ficamos lá (talvez, a comida do avião seja melhor, que acham?). Então, foi a vez do paraíso perdido chamado Camamu, terceira maior baia do Brasil e seu segundo maior manguezal, mas que pouca gente ouviu falar. Para chegar lá, tive que montar e desmontar uma parte do motor do barco em movimento. Mas veio o prêmio, nesse “Dia dos Pais” navegando: uma baleia e seu filhote passaram ao lado do barco, bem perto! E o almoço de comemoração foi um churrasco ao lado da ilha de Campinho, com um pôr-do-sol estonteante.

Chegar em Salvador, a capital dos contrastes, velejando é lindo! Ver seus prédios a 25 milhas de distância, ir aproximando devagar, num dia de sol com mar de um tom azul anil, entrar pela barra, ver o Farol da Barra, Solar do Unhão e fortes históricos misturados com os prédios de luxo no alto e as casas simples abaixo. E logo encontrar e falar com amigos, amigos que são tão fáceis de fazer e manter por aqui, pois acho não há algo que o baiano preza mais do que a amizade! Você esta certo, leitor, também há a farinha, pimenta e a gostosa preguiça. Mas ainda acho que em primeiro lugar está a amizade.

E então, me digam, vale a pena viajar de terceira classe?

Vimos baleias, tartarugas, pinguins, atobás, albatrozes, lugares fantásticos e magníficos pôr-de-sóis, durante dias seguidos. O que viu alguém num avião? Talvez uma paisagem de mar azul por poucas horas e um pequeno barco velejando, dentro do qual se imaginou, por um instante, estar.

Nem tudo são “flores” na vida de um velejador, mas procuramos admirar todas as “flores” que cruzam nosso caminho. Talvez seja isso o que a humanidade perdeu com sua corrida por objetivos: na ânsia de alcançar o destino, esqueceu a beleza do caminho. E o que levamos desta vida? Nossos destinos ou nossos caminhos?

 

E lá vamos nós, fazendo as nossas “travessuras”, que vocês podem acompanhar em nosso site www.tresnomundo.com.br e através da Revista Ilhabela. Abraços a até a próxima edição!