O Fandango nos esperava pacientemente em Recife, mas já estava doido para navegar. No terceiro dia de nosso retorno do Caribe, zarpamos em direção a Salvador. Os planos para uma parada em Maceió foram alterados e seguimos navegando, com o fiel vento nordeste da região nos empurrando costa abaixo. Fizemos nossa maior travessia juntos: 68 horas sem parar até Salvador! Foi muito tranqüila e com vento favorável o tempo todo, como sempre sonhei quando comentavam sobre a descida da costa brasileira no verão.

Em Salvador recebemos a visita da Lu, que embarcaria conosco até Vitória, aproveitando suas férias para passear um pouco. Passamos o Natal no festivo Salvador, vendo corais natalinos na cidade alta e usufruindo o encontro com a família Hagge, com quem passamos a noite de Natal. Aproveitamos para mais uma ida à lindíssima praia do Forte, onde tivemos a oportunidade de ver o nascimento de muitos filhotes de tartaruga e sua soltura no mar. Foi um acontecimento especial para as crianças, poderem ver as pequenas tartarugas recém-nascidas brigando para conseguir chegar no mar. Apenas uma não conseguiu e foi levada de volta ao Tamar, onde será cuidada e solta posteriormente (talvez, tenha gostado das mordomias do Tamar!).

Fomos para a ilha de Itaparica e passamos um reveillon tranqüilo, com outros amigos velejadores, onde reencontramos o Radum, Tiki e Leoa Louca.

A ida para Camamu também foi tranqüila e a nossa volta foi marcada, em todas as travessias desde Cabedelo, por bons peixes. Pescávamos o suficiente para comer por um ou dois dias. Normalmente, o primeiro prato, logo após o peixe morrer e ser “tratado”, como dizem no nordeste, era um sashimi. Este, feito com peixe fresquíssimo, era sempre muito disputado (mesmo feito em grande quantidade). O que sobrava era feito assado no jantar e, se ainda houvesse sobra, era salgado e comido nos dias seguintes. O sabor do peixe salgado era semelhante ao bacalhau e normalmente eu o fazia assado no forno com cebolas, batatas e tomates. Delícia!

Em Camamu encontramos a Soninha, da pousada Lótus, e vimos a velinha do Fandango pendurada junto às dos outros veleiros que por lá passaram. Passeamos bastante e aproveitamos para conhecer Taipus de Fora, onde há lindas piscinas naturais para mergulhar.

A próxima parada foi Itacaré, que nos surpreendeu pela sua beleza. Dizem que as praias de Itacaré são praias do sudeste em pleno nordeste e é verdade. O relevo um pouco mais alto, mata atlântica típica e pequenas enseadas protegidas com belas praias, contrastavam com o resto do litoral nordestino que encontramos. Visitamos todas as praias do centro, que são belíssimas, surfamos (lá é a capital do surf!) e visitamos também a Prainha e a praia de Itacarezinho. Apesar da barra não ser muito fácil, com o auxílio de um prático ou dos waypoint’s do Roteiro Náutico do CENAB, a entrada fica tranqüila. O ancoradouro é ótimo e o simpático Serginho, que tem a base de apoio náutico do local, é só gentileza com os que chegam de veleiro. Ele pretende construir uma marina no local, o que vai incrementar muito o turismo náutico na região e facilitar as paradas de viajantes como nós.

Nessa nossa volta, não poderíamos deixar de parar em Porto Seguro, onde quase houve um motim na nossa subida da costa, quando as crianças queriam ficar mais tempo no local. Aproveitamos muito Arraial D’Ajuda, fizemos um belo mergulho nos Recifes de Fora e fomos duas vezes para Trancoso, uma das praias mais belas da viagem.

A parada seguinte era a mais aguardada: Abrolhos! Esse paraíso nos cativou e ficamos cinco dias lá, recebendo, inclusive, a visita dos amigos Renato e Priscila, que pernoitaram uma noite conosco. Fizemos muitos mergulhos, vimos pela primeira vez pequenos tubarões, que causaram alguns sustos na tripulação. Desta vez, ainda vi imensos badejos, alguns com mais de vinte quilos, passeando tranqüilamente no fundo de areia de não mais de seis metros de profundidade. As tartarugas talvez tenham se lembrado de nós e nos deixavam passar a mão em seus cascos como da outra vez, sem se assustarem. Só sentimos falta de três coisas: do amigo Flávio, que havia nos guiado na outra visita à ilha de Santa Bárbara, pois estava de férias; das baleias jubarte, que já haviam deixado Abrolhos na sua descida anual para alimentação no verão antártico e dos filhotes de Atobás, pois haviam muito poucos desta vez. Mesmo assim, na minha opinião, Abrolhos ganhou o título do lugar mais fantástico da viagem e eu pretendo retornar para ele todas as vezes que me forem permitidas (quem sabe fui uma jubarte em alguma outra encarnação?!).

A ida para Vitória também transcorreu com ventos favoráveis, mas, no meio da travessia, sentimos na pele deixarmos nosso querido nordeste: a camiseta que eu colocava para a travessia noturna nos últimos meses, teve de receber o incremento de uma blusa e capa de tempo assim que cruzamos a fronteira da Bahia com o Espírito Santo.

Em Vitória, a Lu pegou o avião e retornou para São Paulo, após quarenta dias de muitos passeios e mergulhos. Demos a sorte de ver a chegada de um campeonato de pesca esportiva, onde um grande marlim, de 430 quilos, foi pescado. As crianças recordaram “O Velho e o Mar”, que havíamos lido em Vitória, mas um misto de surpresa e tristeza se apoderou de nós. O peixe imenso nos impressionava, mas tínhamos a triste sensação de ver um “rei” morto. A Carol chegou a soltar algumas lágrimas pelo belo peixe.

A próxima parada era Arraial do Cabo e outra travessia excelente nos foi proporcionada pelo vento nordeste. O temido Cabo de São Tomé foi dócil conosco e passamos bem ao lado de uma grande plataforma de petróleo no nosso caminho para Arraial. Fizemos uma bonita visita à ilha de Cabo Frio com alguns amigos, aguardamos uma frente fria passar e seguimos para Parati.

Nessa travessia, pegamos o maior peixe da viagem: um delicioso dourado de sete quilos!

O sentimento de ansiedade já era grande e nossa chegada em Parati foi marcada pelo reencontro com os amigos e a tranqüilidade da baia de Ilha Grande. Nosso Carnaval foi sossegado, na tranqüila Jurumirim. Ao final do Carnaval, na nossa saída para Ubatuba, num dia de pouco vento, vimos nossa última baleia da viagem: um grande (imenso) cachalote, talhado na pedra da encosta da enseada do Pouso, um pouco antes da ponta da Joatinga! Impressionante!!!

Paramos na ilha das Couves para um pernoite, encontramos vários amigos em Ubatuba e chegou o dia ao mesmo tempo esperado e temido: dia 24 de fevereiro, dia da volta para Ilhabela!

Saímos do Flamengo com vento favorável e levantamos a vela balão, que não havíamos conseguido levantar durante a viagem toda. Foi uma balonada deliciosa, com um leste constante que nos levava para casa. A emoção de rever a ponta das Canas e nossa Ilha foi muito grande. A Carol chegou a dizer: “- Nossa, eu não lembrava que Ilhabela era tão bonita!”.

Vários amigos nos esperavam na praia e vários colegas das crianças vieram nadando até o barco, antes mesmo de pegarmos a poita, num ensolarado final de tarde. Um champagne, presente do amigo Dimitri, foi aberto e bebido na praia. Voltamos! Chegamos sãos e salvos, muito mais felizes e realizados do que quando saímos, por todas coisas que vivemos e conhecemos! Foi o final de um ciclo, o melhor de nossas vidas até hoje, coroado pelo retorno ao carinho dos amigos e pelas provas referentes ao ano passado, que as crianças fizeram, das quais só receberam elogios dos professores e diretores do Colégio São João, tendo os dois se mostrado aptos a seguirem o ano letivo com os antigos colegas. Esse era meu maior desejo, depois de termos chegado bem.

É, amigos: navegar é preciso e viver é necessário! Viver aqui e viver agora, cada bom sonho desejado, tendo sempre soluções e não problemas, sendo persistentes e atuantes, com respeito à natureza e seus humores. Sempre com inteligência e flexibilidade, para se deixar levar pelo vento e não enfrentá-lo, arrumando suas velas e seu rumo para chegar onde se deseja e até aguardando, se necessário. Navegando ou vivendo, levaremos esses ensinamentos até o final de nossos dias e, espero, meus filhos os passarão adiante um dia, com o mesmo prazer com que nós os descobrimos.